Foto: Tuerê



NOTAS SOBRE:


"A maior necessidade do mundo é a de homens; homens que não se comprem nem se vendam; homens que no íntimo da alma sejam verdadeiros e honestos; homens que não temam chamar o pecado pelo seu nome exato; homens cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao polo; homens que permaneçam firmes pelo que é reto, ainda que caiam os céus" - Ellen G. White.



quarta-feira, 16 de junho de 2010

HISTÓRIA DE POTÓ, PEIXE FRITO E YPIOCA

Paulo Atzingen, um contista raro e poeta bissexto, foi um dia à Casa da Cultura de Marabá fazer, eu suponho, a primeira reportagem para um jornal comum sobre um dos insetos mais mitológicos do país: o Paederus irritans, que costuma aparecer no clima de final de chuva e que, quando apertado, libera a cantarizina, um líquido cáustico que pode causar queimaduras de primeiro e segundo graus. Dito assim, com esse nome em latim e relatados os efeitos de seu fluido corrosivo, o desgraçado fica parecendo mais monstruoso, assustador e jurássico do que é. Mas é só um pentelhinho vermelho e preto, de bundinha arrebitada, cabeçudo como um cupim, e que também atende pelo nome de potó – apelido que provoca imediatamente explicações indecorosas para o formato da mijada que dá em qualquer parte do corpo da sua vítima.

Havia uma praga de potós na região e o assunto virou pauta. À falta de um alergologista, o profissional do discurso autorizado como diria Humberto Eco, lá se foi Paulo consultar os arquivos do biólogo Noé Atzingen, seu irmão e diretor da Casa. E, de fato, ele trouxe um texto bom, suficiente para uma página do jornal Opinião, onde trabalhávamos em 1995. Que eu me lembre, na redação éramos ele, eu, Cláudio Filipeto, João Salame, o fotógrafo Juno Brasil e outros que não consigo lembrar agora, após uma noite inteira de insônia. E que título vamos dar à matéria?, alguém tinha de perguntar. Aí deu um branco, e levamos quase a noite inteira para chegar a um consenso, até que sugeri: “Potó não é lacrau, é besouro. E pica.” Manchete perfeita para a primeira página, todos concordaram com entusiasmo. Você matou a pau, elogiaram, isso é inteligente e um primor de concisão. Mas...
Sim, a mais bela manchete do jornal Opinião jamais foi publicada.
Vivia-se tempos difíceis no jornal. Fazia-se uma mudança radical no Opinião, até ali uma publicação com cara de boletim de internato de freiras. Filipeto veio do Rio a convite de Salame, aceitei o desafio que me foi proposto, sugerimos nomes de bons redatores e fomos à luta. O duro era editar todas as matérias depois que os repórteres iam embora. Não foram raras as vezes que, para agüentar a madrugada, comíamos peixe assado na brasa com Ypioca.
Não havia a parafernália tecnológica de hoje e não sei, sinceramente não sei, de onde arrancávamos coragem e resignação para agüentar, após tanto trabalho, a frustração causada pela quebra da rotativa, o atraso na impressão, a falta do semanário nas ruas.
Muitas vezes, quando íamos à porta da redação esticar as pernas, víamos as pessoas saindo às pressas do açougue da esquina porque já era sete da manhã e elas estavam quase atrasadas para o trabalho.
Mudamos tudo no jornal, que nisso Claudinho sempre foi bom. A reforma gráfica privilegiou imagens, análises e opiniões. A mudança foi radical sobre o que a gente noticiava. Abriu-se espaço para as opiniões mais divergentes que nos chegavam.
Introduzimos a abordagem humorada e cáustica de tudo que nos parecia postiço e desastroso para a sociedade. Eu escrevia uma página chamada “Ademyr Braz, repórter” (assim mesmo, com ipsilone, só de desfastio).
Uma vez, Filipeto foi ver Claudinho e Buchecha e produziu sobre a dupla um dos textos mais hilariantes daquele tempo. Opinião virara um potó.
Aos poucos, as mudanças não se limitaram apenas ao contexto: também saímos dos limites territoriais do município e fomos onde nenhum outro órgão de comunicação regional já estivera.
Em 1996, saí do jornal. O curso noturno de Direito no Campus da UFPA exigia atenção e conflitava com a jornada que não tinha hora para findar-se na redação. Mas o novo Opinião estava pronto.
Claudinho voltou ao Rio, outros se dispersaram, outros chegaram e a vida seguiu seu rumo. Salame tornou-se deputado, meus filhos cresceram e olhando para eles, assim como se olha agora o jornal do Novo Horizonte, a gente nem imagina que foram umas crianças cuidadas com tanto zelo.

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