Foto: Tuerê



NOTAS SOBRE:


"A maior necessidade do mundo é a de homens; homens que não se comprem nem se vendam; homens que no íntimo da alma sejam verdadeiros e honestos; homens que não temam chamar o pecado pelo seu nome exato; homens cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao polo; homens que permaneçam firmes pelo que é reto, ainda que caiam os céus" - Ellen G. White.



quinta-feira, 28 de abril de 2011

ONZE ANOS DE RETALHOS. OITO ANOS SEM AZIZ

Foi num 28 de abril, 11 anos atrás (2000), que o escritor Aziz Mutran Filho lançou o único livro da sua lavra, o "Retalho de Poesias", aqui em Marabá. Daquela data, o poeta melancólico partiria de forma trágica antes de três anos depois. Aziz cometeu suicídio em 5 de março de 2003. Se estivesse vivo, ele completaria em 29 de setembro deste ano 67 anos.
Não conheci Aziz pessoalmente. Mas aprendi a admirá-lo lendo coisas que escreveu. E coisas que dele escreveram amigos meus.


Aziz por ele mesmo


Transcrevo, aqui, o texto que Aziz escreveu sobre ele mesmo no dia em que completou 50 anos, em 1994. A pérola eu colhi lá em Gente desta parte, o mais novo blog do poeta Ademir Braz.



“Nasci sob o signo da balança, e por isto tenha vindo ao mundo na forma decontrapesoHoje olho para trás e quase nada vejo que me  motivos para festejar. Fui durante esses anos todosum ente repleto de contradiçõespolivalente porexcelência, e comum no sentido mais literal da palavra. Contraí dívidas, fui cobrado e paguei. Aliás, paguei com juros escorchantes.
Durante cinqüenta anos fui um servidor dos interesses alheiosPouco tempo tivepara dedicá-lo a mim mesmo. Na condição de “escada humana”, muita genteutilizou-se dela para subir. Num períodoentretantoque tive para mimeu soube vivê-lo por inteiro. Conheci algumas terras distantesnunca além das fronteiras domeu país. Convivi com pessoas as mais estranhas que se possa imaginar. Aprendiofícios que hoje  não servem para nada. O dinheiro sempre foi o meu desafetonúmero umEm trocaquando me deparava com ele, esnobava da sua cara. Gasteiem sinal de protestopara reafirmar essa nossa mal- querença.
Tive um  amorque para variar foi frutificar-se por além das minhas cercas. Noquintal do vizinhoEm troca, fui feliz na tranqüilidade de uma união que durou atémorte da outra parte[1]. Vivemos a felicidademas estava escrito que nossepararíamos antes do outono.
Não aprendi outras línguasNão viajei pelos sete marescomo sonhei naadolescênciaNão pilotei aviões como queria. Não cheguei a ser “doutor”, comoprevira o meu paiMinha mãe foi para o céu quando eu mal completara dois anos.Por amar demais a minha pequena cidade, vou sendo um hospede constante deMarabáAqui espero morrer, e se possível ser cremado e ter as minhas cinzasjogadas metade no Itacaiúnas e a outra metade no Tocantins[2].
Sou pai de uma moça[3], para quem desejo uma vida bem diferente da minha.
Plantei muitas árvores. Tenho uma paixão doida por tudo quanto é tipo de animal(irracional). Certamente é por esta razão que algumas pessoas me tratam como umhomem de caráter.
Amei a boemia e as serenatasHoje estou fazendo pausa na bebida e tampouco meagrada a noiteGosto de ver as coisas com clareza. Sou um animal diurno. Escrevopoesias que algumas almas caridosas chegam a elogiarNão peço dinheiroemprestado, para não receber negativasAté que de vez em quando preciso e tenhovontadeem troca, sou perseguido por caloteiros que “farejam” quando tenhoalgum dinheiro no bolsoDepois de me ‘derrubar”, o elemento ainda se transformaem meu desafeto.
Escrevi discursos explosivosque os outros leram com grande eloqüência. Fizofíciosprojetos, assumi a subserviência dos meus chefes, e desdobrei-me emrapapés para os chefes dos meus chefesIstosempre a troco de nadaTudo isto,para que eles crescessem e aparecessem. E como cresceram. E como apareceram. Ecomo riram depois da minha cara de otário.
Mas não me prendi nas cidades. Varei sertões como “comerciante” de galinhas eoutros bichos menores. Perdi nesse negócio as poucas economias que tinha. Fui “peão”, trabalhando numa companhia estrangeira que aportou por aqui,durante umcastigo” que recebi da Ditadura. Nesse tempo de “peonagem”, pelejei por seismeses no cargo de faz tudo – carreguei pedrasmadeira, cortei mato e fiz atécurativos... Conheci a mata virgem em toda a sua brutalidade e grandeza. De volta àcidadeapós ter comprado, com o saldo, duas mudas de roupa nova e um par desapatos num “queima”, caí na esbórnia e depois de três dias no cabaré não tinhamais um tostão furado no bolso. Restaram-me uma malária que estava “encubada” e que a cachaça fez aparecer, e uma ressaca inominávelsem poder comprar ummísero sonrizal.
que posso falar mais? – Ah, sim, sou surdo de um lado. Dei um tiro noouvido[4]."

Aziz por seus amigos

Aziz Mutran deixou saudades. E também amigos. Poucos, é verdade, mas uma banda deles de verve apurada como ele. Um deles é o doutor Valdinar, de quem eu tomo a liberdade de copiar e colar aqui a crônica Esquecimento Involuntário que ele escreveu na recordação do amigo partido.

"Pego na minha biblioteca um exemplar do livro Retalhos de Poesias, de Aziz Mutran Filho, poeta marabaense que se foi do nosso meio, deixando tristeza e saudade. Releio mais uma vez, com um misto de saudade e dor pelo sentimento da perda irreparável, a dedicatória que ele fez para mim, um dia de manhã quando cheguei à Câmara Municipal, onde trabalhávamos e ainda trabalho: “Para o ‘crânio’ desta Casa, Valdinar, meu estimado colega, com humildade. Em, 05-05-00.” Embaixo a sua rubrica.
São 23 horas de um dia qualquer da minha vida: quarta-feira, 15 de outubro de 2008, para ser mais preciso. Fico parado por algum tempo, lucubrando, pensando nas conversas que tivemos como colegas de trabalho, na admiração que ele bondosamente demonstrava pelos meus pobres artigos e crônicas, na sua inesquecível camaradagem, no seu peculiar empenho em servir, na sua hipossuficiência, na sua indisfarçável revolta pela ingratidão de muitos, pelas agruras da vida. De repente me dou conta de que esqueci o dia de seu falecimento e, por conseguinte, tenho de consultar anotações para relembrar que foi o dia 5 de março de 2003. Faz, portanto, mais de cinco anos que ele se foi e nos deixou a todos, parentes e amigos. Que coisa!
Não é ingratidão minha nem descaso, é a realidade da vida: esqueci a data da morte de Aziz porque o homem é falho, falível, imperfeito e se esquece de fatos, pessoas e acontecimentos com naturalidade. É o efeito da perecividade, que é ínsita a todo o ser vivente, a ânsia de morte que persegue o homem e o acompanha do berço à sepultura. Esquecer é também matar e morrer ao mesmo tempo: morrem por um só ato, consciente ou inconscientemente, quem esquece e quem é esquecido. E, como diz o médico e escritor Genival Veloso de França, “a morte não é um momento ou instante, mas um processo gradativo que não se sabe quando se inicia ou quando termina”.   
É certo que determinados indivíduos são lembrados pela posteridade durante séculos e séculos, mas isso não é a regra. A regra é o esquecimento com o passar de poucos anos. Para ser lembrado ou, se alguém assim prefere, para não ser esquecido é indispensável fazer por deixar algo que seja mais duradouro do que a própria vida, a qual é muita curta. Nem todo dia, porém, nasce um Sócrates, ou Platão, ou Aristóteles, para não sair da Grécia Antiga; ou um Duque de Caxias, ou Rui Barbosa, para ficar em nosso arraial.
Sic transit gloria mundi! Traduzindo, para quem não sabe: “Assim passa a glória do mundo!” O comandante de hoje será o inativo sem comando de amanhã. Tudo é efêmero, tudo é passageiro, tudo é transitório. Os homens passam, os amigos e parentes os esquecem, e só as instituições ficam, mas também as instituições morrem e, mortas, desaparecem.
Aziz, como ele mesmo dizia, foi um dedicado servidor dos interesses alheios, típica escada humana, sem tempo e sem espaço para se dedicar a si mesmo. Talvez seja por isso que, macabramente, doentiamente, sempre foi um enamorado da morte, que a buscava com paixão e tinha plena consciência disso. Pobre Aziz, de tanto buscar a morte morreu cedo, tresloucadamente!
Dizem muito da sua personalidade, por exemplo, o inédito poema “Amanhã”, de outubro de 2001, e o curriculum vitae, escrito em prosa mais poética do que muitos e muitos poemas e posto à guisa de prefácio do livro Retalhos de Poesias. Analisar isso, no entanto, é outra história e, mais do que a insignificância literária desta crônica, exigiria um longo artigo acadêmico. Oxalá alunos e professores do curso de Letras da Universidade Federal do Pará ainda o façam!"

2 comentários:

Dr. Valdinar Monteiro de Souza disse...

Puxa vida!... Laércio, você não imagina o quanto me deixou feliz e emocionado com sua lembrança do Aziz e a homenagem que fez a ele. Aliás, você fez uma dupla homenangem, o que me deixou ainda mais feliz e agradecido: a publicação da minha crônica "Esquecimento involuntário". Valeu!

Unknown disse...

ele e meu avo, meu nome e lucas aziz mutram mendonça...muito boa laércio...