Não conheci Aziz pessoalmente. Mas aprendi a admirá-lo lendo coisas que escreveu. E coisas que dele escreveram amigos meus.
Aziz por ele mesmo
Transcrevo, aqui, o texto que Aziz escreveu sobre ele mesmo no dia em que completou 50 anos, em 1994. A pérola eu colhi lá em Gente desta parte, o mais novo blog do poeta Ademir Braz.
“Nasci sob o signo da balança , e por isto tenha vindo ao mundo na forma decontrapeso . Hoje olho para trás e quase nada vejo que me dê motivos para festejar . Fui durante esses anos todos , um ente repleto de contradições , polivalente por excelência , e comum no sentido mais literal da palavra . Contraí dívidas , fui cobrado e paguei. Aliás , paguei com juros escorchantes.
Tive um só amor , que para variar foi frutificar-se por além das minhas cercas . Noquintal do vizinho . Em troca , fui feliz na tranqüilidade de uma união que durou até a morte da outra parte [1]. Vivemos a felicidade , mas estava escrito que nos separaríamos antes do outono .
Sou pai de uma moça [3], para quem desejo uma vida bem diferente da minha .
Plantei muitas árvores . Tenho uma paixão doida por tudo quanto é tipo de animal (irracional ). Certamente é por esta razão que algumas pessoas me tratam como um homem de caráter .
Amei a boemia e as serenatas . Hoje estou fazendo pausa na bebida e tampouco me agrada a noite . Gosto de ver as coisas com clareza . Sou um animal diurno . Escrevopoesias que algumas almas caridosas chegam a elogiar . Não peço dinheiro emprestado, para não receber negativas . Até que de vez em quando preciso e tenhovontade . em troca , sou perseguido por caloteiros que “farejam” quando tenhoalgum dinheiro no bolso . Depois de me ‘derrubar ”, o elemento ainda se transformaem meu desafeto .
Escrevi discursos explosivos , que os outros leram com grande eloqüência . Fizofícios , projetos , assumi a subserviência dos meus chefes , e desdobrei-me em rapapés para os chefes dos meus chefes . Isto , sempre a troco de nada . Tudo isto ,para que eles crescessem e aparecessem. E como cresceram. E como apareceram. Ecomo riram depois da minha cara de otário .
O que posso falar mais ? – Ah, sim , sou surdo de um lado . Dei um tiro noouvido [4]."
Aziz por seus amigos
Aziz Mutran deixou saudades. E também amigos. Poucos, é verdade, mas uma banda deles de verve apurada como ele. Um deles é o doutor Valdinar, de quem eu tomo a liberdade de copiar e colar aqui a crônica Esquecimento Involuntário que ele escreveu na recordação do amigo partido.
"Pego na minha biblioteca um exemplar do livro Retalhos de Poesias, de Aziz Mutran Filho, poeta marabaense que se foi do nosso meio, deixando tristeza e saudade. Releio mais uma vez, com um misto de saudade e dor pelo sentimento da perda irreparável, a dedicatória que ele fez para mim, um dia de manhã quando cheguei à Câmara Municipal, onde trabalhávamos e ainda trabalho: “Para o ‘crânio’ desta Casa, Valdinar, meu estimado colega, com humildade. Em, 05-05-00.” Embaixo a sua rubrica.
Não é ingratidão minha nem descaso, é a realidade da vida: esqueci a data da morte de Aziz porque o homem é falho, falível, imperfeito e se esquece de fatos, pessoas e acontecimentos com naturalidade. É o efeito da perecividade, que é ínsita a todo o ser vivente, a ânsia de morte que persegue o homem e o acompanha do berço à sepultura. Esquecer é também matar e morrer ao mesmo tempo: morrem por um só ato, consciente ou inconscientemente, quem esquece e quem é esquecido. E, como diz o médico e escritor Genival Veloso de França, “a morte não é um momento ou instante, mas um processo gradativo que não se sabe quando se inicia ou quando termina”.
É certo que determinados indivíduos são lembrados pela posteridade durante séculos e séculos, mas isso não é a regra. A regra é o esquecimento com o passar de poucos anos. Para ser lembrado ou, se alguém assim prefere, para não ser esquecido é indispensável fazer por deixar algo que seja mais duradouro do que a própria vida, a qual é muita curta. Nem todo dia, porém, nasce um Sócrates, ou Platão, ou Aristóteles, para não sair da Grécia Antiga; ou um Duque de Caxias, ou Rui Barbosa, para ficar em nosso arraial.
Sic transit gloria mundi! Traduzindo, para quem não sabe: “Assim passa a glória do mundo!” O comandante de hoje será o inativo sem comando de amanhã. Tudo é efêmero, tudo é passageiro, tudo é transitório. Os homens passam, os amigos e parentes os esquecem, e só as instituições ficam, mas também as instituições morrem e, mortas, desaparecem.
Aziz, como ele mesmo dizia, foi um dedicado servidor dos interesses alheios, típica escada humana, sem tempo e sem espaço para se dedicar a si mesmo. Talvez seja por isso que, macabramente, doentiamente, sempre foi um enamorado da morte, que a buscava com paixão e tinha plena consciência disso. Pobre Aziz, de tanto buscar a morte morreu cedo, tresloucadamente!
Dizem muito da sua personalidade, por exemplo, o inédito poema “Amanhã”, de outubro de 2001, e o curriculum vitae, escrito em prosa mais poética do que muitos e muitos poemas e posto à guisa de prefácio do livro Retalhos de Poesias. Analisar isso, no entanto, é outra história e, mais do que a insignificância literária desta crônica, exigiria um longo artigo acadêmico. Oxalá alunos e professores do curso de Letras da Universidade Federal do Pará ainda o façam!"
2 comentários:
Puxa vida!... Laércio, você não imagina o quanto me deixou feliz e emocionado com sua lembrança do Aziz e a homenagem que fez a ele. Aliás, você fez uma dupla homenangem, o que me deixou ainda mais feliz e agradecido: a publicação da minha crônica "Esquecimento involuntário". Valeu!
ele e meu avo, meu nome e lucas aziz mutram mendonça...muito boa laércio...
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